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José Eduardo Degrazia Poetry| Poetry in Portuguese |Brazilian popular poet


 

José Eduardo Degrazia


CAFÉ DA MANHÃ

 

Ontem fui em um espetáculo de música

os sons embalaram o meu sonho por toda a noite.

Amanheceu um dia enfarruscado de nuvens escuras,

fui acordado pelas máquinas de cortar grama

e sopradoras de folhas insistentes,

era preciso mesmo acordar para recomeçar a vida.

Fiquei pensando, ainda na cama, que nada é melhor

do que um dia depois do outro.

 

Fiz um café bem quente na cozinha,

o perfume da sua essência tomou conta da casa,

acordou a minha mulher, ela veio e me abraçou

dizendo que a vida poderia ser perfeita

como aquele aroma de café, pão com geleia de amora,

o amor fazendo companhia.

 

O movimento na rua vai aumentando aos poucos,

parece que vem chuva forte e ventania.


EXÓTICA PAISAGEM

 

O trem parou diante do lago,

alguma coisa tinha acontecido nas ferragens.

A respiração da água levantava uma névoa clara,

os vidros das janelas transpiravam.

O homem debruçado na cancela da estância

ficava nos olhando como nós a ele: exótica paisagem.

 

No vagão-restaurante serviram o almoço

diante das colinas imóveis – ovelhas brancas

no meio do campo verde.

 

A moça do lado riu estridente,

o trem rangeu nos trilhos pondo-se em movimento:

a taça de vinho tinto caiu da mão da moça na toalha alva.

 

A mancha revive na minha memória a viagem antiga no meio do campo.

 

O ÚLTIMO TREM

 

O sol procura

afirmar-se

nos andaimes

precários

da estação.

 

Um trem parte

para o verão,

outro

para o inverno,

o passageiro

estaciona

numa impossível

primavera.

 

É tempo de partida –

as malas pesam

no caminho,

os pés pisam

a neve e a lama

da cidade.

 

O sol infiltra-se

na gare vazia,

indica a direção

da luz

no fim do túnel,

e só os teus olhos

me acompanham.


 

MUDANÇA CLIMÁTICA

 

1

O inverno terminara

mas os relâmpagos cruzavam o céu

pintando de branco e rosa as montanhas,

 

O estrondo dos trovões nos bosques

fazia as aves nos ninhos ficarem escondidas.

 

A humanidade caminhava sob a chuva

como se fosse o fim do mundo.

E era.

 

2

No Norte as grandes florestas ardiam,

a onça pintada mostrava suas patas queimadas

e o socorrista já não podia fazer nada.

 

No Sul as chuvas inundavam as cidades

e destruíam as plantações,

e quem manda lavava as mãos.

 

3

Botavam fogo na mata, secavam os rios,

lançavam o lixo da cidade na mata,

ninguém se importava?

 

4

As fábricas do mundo despejavam tóxico

na atmosfera ferida, sufocavam a vida.

 

A humanidade sem destino implorava

aos deuses, indiferentes, anistia,

um dia a mais na terra, sobreviveriam?


 

5

Milhares de anos depois do último homem,

uma semente trazida por um asteroide

abre seus ramos no deserto,

                                                      a vida recomeça.


 

 

A CASA DO POEMA

 

Sempre querendo dizer

o impossível

com as palavras concretas

do dia a dia

sobre o universo

impassível.

 

Fazendo da pedra

do caminho

um ninho de painas

e do verso

passarinho.

 

Sentindo o gosto

de cada palavra

na lavra do tempo

a vida não é

passatempo.

 

Construindo o poema

verso a verso

como se construísse

uma casa com amplas

janelas e portas

abertas ao vento

para poder caber

dentro.

 

NAVIO AFUNDADO

 

A ferrugem gastando o casco,

cracas incrustadas na gávea,

algas nos pulmões e na proa,

 

o velho navio pode ser casa

para os peixes e sereias,

a areia entrando na máquina,

 

aceitando todos os ventos e estrelas,

guardando no seu bojo o mar aberto,

o sonho do voo das aves marinhas.

 

O navio afunda lentamente na praia

batido pelas ondas e pelo raio,

o assovio do tempo nas esquadrias.


 

QUEIMADA NA AMAZÔNIA

 

 

1

A paisagem é antes

de tudo

       espelhismo

no verão        onde

o cerrado queima

e a fumaça     arde

        nos olhos.

 

Enquanto o vento

levanta a cinza

       combustão

               criminosa

      da mata

o bombeiro alucina

               na     retina

a miragem

fosse no deserto

      aragem

ou Fata Morgana

num mar de chamas.

 

O bombeiro insiste

a bater o fogo

e não se abate

fica

                suspenso

à espera

     nem sente a    

            dor

 a brasa na mão

      sem luva.

 

 

2

A floresta arde

a nuvem de cinzas

ofusca

                fagulhas

feito        agulhas

costuram

        labaredas

no arvoredo.

 

A onça queima

as patas na brasa

vê a miragem

de um rio

                   ruge

esturra na terra

        tórrida.

 

A onça       teima

aspira o fumo

até que desiste

          deita

       a cabeça

sonha com a selva

         dorme.

 

BREVE BIOGRAFIA

 

Todo o meu tempo

foi feito do que invento,

por isso sobrevivi

mais tempo.

 

Acreditei em mim,

dei asas ao pensamento,

à poesia e ao vento

me entreguei avidamente.

 

Vivi no mundo a paixão

de ser intensamente,

vi, ouvi, escrevi.

 

Busquei força na arte

e no amor,

nunca me arrependi.

 

O FIM DO VERÃO

 

As andorinhas cortam o ar

com suas asas inquietas,

sabem do fim do verão

e da necessidade de viajar

para terras distantes

onde o sol permanece.

 

O voo é a despedida,

não existem mais insetos

batendo contra as vidraças,

o vento frio do polo insinua

a inversão do ciclo da vida.

 

Assim passamos feito andorinhas,

cruzamos o céu da nossa idade

à espera de um sol que nos aqueça

mais um dia, ou pela eternidade.

 

POEMA PELA PAZ

 

1.

Estou aqui tranquilo

vendo a nuvem passar,

a chuva cai sobre o mar.

 

A guerra é em outro lugar?

A guerra é também aqui,

a ameaça nuclear

 

no outro lado do mundo,

bombas em creches e hospitais,

repercute em mim e em ti.

 

2

A paz que eu tenho, suponho,

é para todos os povos,

para os velhos e para os novos.

 

Nenhuma guerra é isso ou aquilo,

não interessa qual é a causa

se a metralha não tem pausa.

 

Toda a guerra é sempre injusta

quando ceifa a vida, frustra

das crianças os seus sonhos.

 

José Eduardo Degrazia - was born in Porto Alegre in 1951. He is an ophthalmologist. As a writer he has published 19 books of short stories, poetry, novel, and children-juvenile; Among them Permanent Lavra, poetry, 1975; Submerged city, poetry, 1979; The Guaraní urn, poetry, 2004; Body of Brazil, poetry, 2011; The fleeting flower, poetry, 2011; The record player, short stories and flash fiction, 1996; The ear of the bugre, short stories and flash fiction, 1998; The earth without evils, tales, 2000; The wild lions of Tanganyika, short stories and flash fiction, 2002; The collector of owls, flash fiction, 2016; The kingdom of macambira, novel, 2005; The fabulous voyage of lechiguana honey, novel, 2008; The giraffe samba, juvenile, 1985; The cocoa Cocota, juvenile, 1991; Cat and shoe, juvenile, 1997. As a translator of Spanish and Italian, he published 14 books, among them, 07 by Pablo Neruda. Main Awards Received: Award of the Colonization and Immigration Biennium with Permanent Land, 1974; Contest Award from Status Magazine, 1978; Award of theater of the SNT with the play The house of the impossibles, 1975; Finalist of the Nestlé prize of Literature, of 1996, with The record athlete; finalist of the Azorean Prize with the Wild Lions of Tanganyika, 2003. 2006 The Best Translation South Prize with Pablo Neruda's books Book of the Year Award of the Gaúcha Association of Writers, with the novel The kingdom of Macambira - 2006 Award from the Mihai Eminescu International Academy of Romania for the Work in prose - 2012. International Prize of Poetry of Trieste of 2013. Prize of Poetry of the Union of Writers of Moldavia. 2015. Translation Award of the Association of Publishers of Romania 2016. Karamanov’s prize of North Macedonia, 2022.




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