CAFÉ DA MANHÃ
Ontem fui em um
espetáculo de música
os sons
embalaram o meu sonho por toda a noite.
Amanheceu um
dia enfarruscado de nuvens escuras,
fui acordado
pelas máquinas de cortar grama
e sopradoras de
folhas insistentes,
era preciso
mesmo acordar para recomeçar a vida.
Fiquei
pensando, ainda na cama, que nada é melhor
do que um dia
depois do outro.
Fiz um café bem
quente na cozinha,
o perfume da
sua essência tomou conta da casa,
acordou a minha
mulher, ela veio e me abraçou
dizendo que a vida
poderia ser perfeita
como aquele
aroma de café, pão com geleia de amora,
o amor fazendo
companhia.
O movimento na
rua vai aumentando aos poucos,
parece que vem chuva forte e ventania.
EXÓTICA
PAISAGEM
O trem parou
diante do lago,
alguma coisa
tinha acontecido nas ferragens.
A respiração da
água levantava uma névoa clara,
os vidros das
janelas transpiravam.
O homem
debruçado na cancela da estância
ficava nos
olhando como nós a ele: exótica paisagem.
No
vagão-restaurante serviram o almoço
diante das
colinas imóveis – ovelhas brancas
no meio do
campo verde.
A moça do lado
riu estridente,
o trem rangeu
nos trilhos pondo-se em movimento:
a taça de vinho
tinto caiu da mão da moça na toalha alva.
A mancha revive na minha memória a viagem antiga no meio do campo.
O ÚLTIMO TREM
O sol procura
afirmar-se
nos andaimes
precários
da estação.
Um trem parte
para o verão,
outro
para o inverno,
o passageiro
estaciona
numa impossível
primavera.
É tempo de
partida –
as malas pesam
no caminho,
os pés pisam
a neve e a lama
da cidade.
O sol
infiltra-se
na gare vazia,
indica a
direção
da luz
no fim do
túnel,
e só os teus
olhos
me acompanham.
MUDANÇA
CLIMÁTICA
1
O inverno
terminara
mas os
relâmpagos cruzavam o céu
pintando de
branco e rosa as montanhas,
O estrondo dos
trovões nos bosques
fazia as aves
nos ninhos ficarem escondidas.
A humanidade
caminhava sob a chuva
como se fosse o
fim do mundo.
E era.
2
No Norte as
grandes florestas ardiam,
a onça pintada
mostrava suas patas queimadas
e o socorrista
já não podia fazer nada.
No Sul as
chuvas inundavam as cidades
e destruíam as
plantações,
e quem manda
lavava as mãos.
3
Botavam fogo na
mata, secavam os rios,
lançavam o lixo
da cidade na mata,
ninguém se
importava?
4
As fábricas do
mundo despejavam tóxico
na atmosfera
ferida, sufocavam a vida.
A humanidade
sem destino implorava
aos deuses,
indiferentes, anistia,
um dia a mais
na terra, sobreviveriam?
5
Milhares de
anos depois do último homem,
uma semente
trazida por um asteroide
abre seus ramos
no deserto,
a vida recomeça.
A CASA DO POEMA
Sempre querendo
dizer
o impossível
com as palavras
concretas
do dia a dia
sobre o
universo
impassível.
Fazendo da
pedra
do caminho
um ninho de
painas
e do verso
passarinho.
Sentindo o
gosto
de cada palavra
na lavra do
tempo
a vida não é
passatempo.
Construindo o
poema
verso a verso
como se
construísse
uma casa com
amplas
janelas e
portas
abertas ao vento
para poder
caber
dentro.
NAVIO AFUNDADO
A ferrugem
gastando o casco,
cracas
incrustadas na gávea,
algas nos
pulmões e na proa,
o velho navio
pode ser casa
para os peixes
e sereias,
a areia
entrando na máquina,
aceitando todos
os ventos e estrelas,
guardando no
seu bojo o mar aberto,
o sonho do voo
das aves marinhas.
O navio afunda
lentamente na praia
batido pelas
ondas e pelo raio,
o assovio do
tempo nas esquadrias.
QUEIMADA NA
AMAZÔNIA
1
A paisagem é
antes
de tudo
espelhismo
no verão onde
o cerrado
queima
e a fumaça arde
nos olhos.
Enquanto o
vento
levanta a cinza
combustão
criminosa
da mata
o bombeiro
alucina
na retina
a miragem
fosse no deserto
aragem
ou Fata Morgana
num mar de
chamas.
O bombeiro
insiste
a bater o fogo
e não se abate
fica
suspenso
à espera
nem sente a
dor
a brasa na mão
sem luva.
2
A floresta arde
a nuvem de
cinzas
ofusca
fagulhas
feito agulhas
costuram
labaredas
no arvoredo.
A onça queima
as patas na
brasa
vê a miragem
de um rio
ruge
esturra na
terra
tórrida.
A onça teima
aspira o fumo
até que desiste
deita
a cabeça
sonha com a
selva
dorme.
BREVE BIOGRAFIA
Todo o meu
tempo
foi feito do
que invento,
por isso
sobrevivi
mais tempo.
Acreditei em
mim,
dei asas ao
pensamento,
à poesia e ao
vento
me entreguei
avidamente.
Vivi no mundo a
paixão
de ser
intensamente,
vi, ouvi,
escrevi.
Busquei força
na arte
e no amor,
nunca me arrependi.
O FIM DO VERÃO
As andorinhas
cortam o ar
com suas asas
inquietas,
sabem do fim do
verão
e da
necessidade de viajar
para terras
distantes
onde o sol
permanece.
O voo é a
despedida,
não existem
mais insetos
batendo contra
as vidraças,
o vento frio do
polo insinua
a inversão do
ciclo da vida.
Assim passamos
feito andorinhas,
cruzamos o céu
da nossa idade
à espera de um sol
que nos aqueça
mais um dia, ou pela eternidade.
POEMA PELA PAZ
1.
Estou aqui tranquilo
vendo a nuvem passar,
a chuva cai sobre o mar.
A guerra é em outro lugar?
A guerra é também aqui,
a ameaça nuclear
no outro lado do mundo,
bombas em creches e hospitais,
repercute em mim e em ti.
2
A paz que eu tenho, suponho,
é para todos os povos,
para os velhos e para os novos.
Nenhuma guerra é isso ou aquilo,
não interessa qual é a causa
se a metralha não tem pausa.
Toda a guerra é sempre injusta
quando ceifa a vida, frustra
das crianças os seus sonhos.
José Eduardo Degrazia - was born in Porto Alegre in 1951. He
is an ophthalmologist. As a writer he has published 19 books of short stories,
poetry, novel, and children-juvenile; Among them Permanent Lavra, poetry, 1975;
Submerged city, poetry, 1979; The Guaraní urn, poetry, 2004; Body of Brazil,
poetry, 2011; The fleeting flower, poetry, 2011; The record player, short
stories and flash fiction, 1996; The ear of the bugre, short stories and flash
fiction, 1998; The earth without evils, tales, 2000; The wild lions of
Tanganyika, short stories and flash fiction, 2002; The collector of owls, flash
fiction, 2016; The kingdom of macambira, novel, 2005; The fabulous voyage of
lechiguana honey, novel, 2008; The giraffe samba, juvenile, 1985; The cocoa Cocota,
juvenile, 1991; Cat and shoe, juvenile, 1997. As a translator of Spanish and
Italian, he published 14 books, among them, 07 by Pablo Neruda. Main Awards
Received: Award of the Colonization and Immigration Biennium with Permanent
Land, 1974; Contest Award from Status Magazine, 1978; Award of theater of the
SNT with the play The house of the impossibles, 1975; Finalist of the Nestlé
prize of Literature, of 1996, with The record athlete; finalist of the Azorean
Prize with the Wild Lions of Tanganyika, 2003. 2006 The Best Translation South
Prize with Pablo Neruda's books Book of the Year Award of the Gaúcha
Association of Writers, with the novel The kingdom of Macambira - 2006 Award
from the Mihai Eminescu International Academy of Romania for the Work in prose
- 2012. International Prize of Poetry of Trieste of 2013. Prize of Poetry of
the Union of Writers of Moldavia. 2015. Translation Award of the Association of
Publishers of Romania – 2016. Karamanov’s prize of North
Macedonia, 2022.